Acordo e já começo a conversar com ela, minha voz mental, que sinto ter a mesma vibração da minha voz real. Não que minha voz mental não seja também real, mas falo comigo mesma.
Ela me alerta dos compromissos do dia ou de como meu corpo ainda está cansado depois de dormir por oito horas seguidas. Ela me traduz, me comanda, me rememora, me alerta. Escuto-a com respeito.
Há 45 anos carrego minha voz interior comigo e só agora me dou conta da sua existência descomunal, agarrada ao meu corpo, às minhas conexões cerebrais. Sinto súbito um imenso carinho por ela, que me protege, me aconselha e até me nina nas difíceis noites de insônia.
Minha voz interior que entorna num caldeirão tudo o que escrevi até hoje. Minha voz com quem brincava sozinha com minha Barbie esportista e que me fazia criar canções inéditas e sem rima quando eu era criança. Você é o meu cavalo sonoro.
Summer systems, night search de Michael McGrath
A voz que mal ouvi quando minhas filhas nasceram ou quando meus pais morreram. Porque era tanto esplendor e horror que ela, em respeito, se emudeceu. Obrigada, voz.
Vou manter meu diálogo ou monólogo contigo até o fim dos meus dias. E ninguém no mundo poderá te escutar mais. Só eu. Engraçado eu me dar conta de ti na metade da minha vida, prometo ouvi-la com mais solenidade e paciência. Preciso de silêncio, o que é algo incomum aqui em casa. Minha protetora! Minha companheira inseparável! Sem ti, não movo um dedinho do pé.
Voz de comando, quase militar, mas coberta de doçura maternal. Como sou carinhosa comigo! Sinto que estou mais viva quando te escuto com mais acurácia. Sinto que estou completa quando estou em consonância com você.
Minha voz também canta e seu canto é um segredo meu. Uma dádiva neurológica. Obrigada por habitar minha cabeça, meu corpo, minhas mãos. Os caminhos bons que segui até agora foram por tua causa.
Mesmo sem me dar conta de ti, segui teus comandos e estive em solilóquios intermináveis em fins de tardes longas. Minhas voz muda, sem ti sou ventríloquo solto, alquebrado no fundo de uma caixa esquecida.
Que alegria imensa poder reconhecê-la agora. Te abraço com um canto bobo. Só nosso e de mais ninguém.
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Um terno reconhecimento à voz interior. Estranho e admirável. Que bom que tens uma boa relação com a tua!
e que você nunca perca a capacidade de ouvir a sua voz interior! 😊