Ai, como antes eu queria que a palavra mãe voltasse a ser um pássaro que sobrevoasse a minha sala. Eu voltei a ouvir “mãe” há sete anos, desde que engravidei. No pré-natal já comecei a ser chamada de “mãezinha”, mal sabia o peso desse diminutivo.
Hoje eu só queria ser eu, sem ter que pensar em dois seres que não sabem se virar sozinhos. Dois seres cujos cheiros são minha droga opiácea. Mas hoje, não.
Quero estar imunda, baforando fumaça, com a geladeira vazia, cavoucando minhas cutículas no silêncio. Mãe, mãe, mãe. Moscas sobrevoam a minha sala. Eu quis, amo minhas filhas, mas às vezes é muito. Nos dois sentidos. “É muito para mim”, como dizia meu pai.
Aliás, as últimas palavras dele em vida para mim foram: “Não venha. Me deixe em paz. Não me aperreie”. Te entendo, pai. Só um pai ou uma mãe que ama muito seu filho tem o direito de proferir facas.
Uma quer comer, a outra quer mais um papel, um lápis, um suco, um brinquedo perdido. Eu quero o buraco negro. Quero pensar no meu envelhecimento. Quero ser aquela samambaia muda ali no canto.
Não posso mais, mãezinha. Mãe, moscas, pássaros, cutículas. Não sinto culpa, mas sinto. Não tenho energia, os joelhos estalam ao agachar para juntar as peças de lego jogadas no chão.
Talvez um banho. Eu sozinha no box, o cheiro de cânfora evaporando do xampu novo que comprei. A água. Mas a maçaneta da porta se move furiosamente como nos filmes de terror: “Mãe, você vai demorar?”.
Eu queria demorar. Eu quero vocês, mas quero demorar. DE-MO-RAR. Foi isso que perdi. A demora. Em troca, como no programa do Silvio Santos (em que se trocava objetos valiosos por outro sem valor e vice-versa, dentro de uma caixa de acrílico usando um fone para tapar ouvidos), em troca, eu fiquei com duas meninas doces e demandantes e deslumbrantes.
Eu troquei a demora pelo deslumbre. Hoje queria a demora. Mas, tudo bem, estou feliz com o deslumbre, as moscas, legos pontiagudos, mãe, mãe, mãe, mãezinha.
*Pintura “Mulher e jacaré” de Antonio Kuschnir.
Um desejo tåo legítimo querer demorar
💛💛💛