Minha estação preferida. Temperaturas amenas, entardeceres apocalípticos. E a tristeza. Colho um caqui do meu próprio ventre.
Talvez seja afetada demais pelos desprazeres da vida. Talvez seja indolente e preguiçosa. Mas hoje não estou bem. Houve um incidente quase violento. Antes fosse violento, melhor. Mas o quase me destrói.
Envolve minhas filhas, envolve coisas imensas, decisões que não quero ter que tomá-las. Só quero a chuva que se avizinha; não consigo nem ouvir música.
Penso em tomar banho, um banho sempre me renova quando estou em estado comatoso emocional. Meu marido me faz declarações lindas via WhatsApp. Não sinto que mereço essas palavras doces e sinceras.
Talvez mereça um chicote dos bons nas bochechas. Sinto uma culpa de não sei o quê. Essa ignorância do que se faz minha culpa me afunda. Atraso o banho. Como um resto de ontem. Fumo.
A vida às vezes é tão sem cor, como uma tarde infinita de um outono deformado. Minha intimidade se encolhe nos meus calcanhares doídos: ando suspeitando de fascite plantar. Colho mais um caqui.
Minhas unhas estão todas excessivamente cavoucadas. Ando triste, macambúzia, invejando os mortos. Não, não tenho pretensões suicidas aqui, jamais me suicidarei, é um trato firme que tenho comigo. Talvez o único.
A companhia silenciosa da minha gata que estraçalhou o pescoço da minha filha há uns dias. Minha filha não entende que gatos só fazem o que querem. Sou meio gato. A companhia silenciosa da minha gata é um aconchego de agora. Talvez o único, além de escrever esse texto meloso.
Mas não me constranjo. Gosto de ser transparente desde pequena. Não vou perder isso nunca. Tenho orgulho da minha transparência mesmo que fira e afaste pessoas para sempre. Pelo menos nasci com isso. Queria ser menos sensível, seria tão prático. A ausência da minha super-sensibilidade não faria mal a ninguém. A água do banho me tira a sensibilidade ou me enche dela até transbordar. Acho que minhas filhas e meu marido merecem meu banho.
Ontem minha amiga me mandou um áudio aos prantos. Porque havia se divorciado, por decisão dela. Aquilo me afundou, me despedaçou como um caqui muito maduro. Ai, meus caquis. Agora ela está bem, banhada.
Não tenho constrangimento, me repito, de abrir meu corpo na escrita. Eu na verdade uso vocês, meus poucos leitores, para serem um contraponto. Uma carícia. Me perdoem. Termino aqui, desculpem o texto ruim, melado de grude de caqui. Vou reunir forças para um banho. Até.
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Adorei a maneira como você trouxe caquis para o texto.
Dias de outono, estamos juntas!