Uma vez eu pedi para minha mãe escrever uma frase no meu caderno verde de caligrafia. Ela escreveu a lápis, com sua letra displicente, quase feia: “A alegria é a prova dos nove”.
Eu não entendi nada, criança, perguntei o que significava aquilo e ela só respondeu que era uma operação matemática, andando distraída em direção à cozinha.
Ficou por isso mesmo e logo depois de uns meses minha mãe morreu de miséria humana.
Eu me fiz gente com essa cicatriz. Passei anos para entender a frase do Oswald de Andrade. Acho que uns catorze. Hoje, mais uma vez, entendi a frase e, minha mãe, mais ainda.
Aqui está uma foto da minha família — a Cícera, nossa gatinha fofa, veio depois.
*Retrato do Renato Parada.
“minha mãe morreu de miséria humana.” Não sei se captei o sentido correto, mas talvez sim. Minha mãe conseguiu sobreviver à miséria humana, ao menos até agora. E essa frase me levou diretamente à música que embala desde pré-adolescente o medo dessa morte: Andrea Doria, do Legião.
“Mas percebo agora
Que o teu sorriso vem diferente
Quase parecendo te ferir
Não queria te ver assim
Quero a tua força como era antes
O que tens é só teu
E de nada vale fugir
E não sentir mais nada”.
Obrigada por esse texto, Natercia. 🤍
Sempre penso nesse dizer quando estou imersa no caos familiar e doméstico, é difícil mas também há essa sensação de alegria que é única. Tão bom te ler também por aqui.